É preciso dois funcionários do
cinema para descer a cadeira de rodas escada abaixo. A fila na bilheteria
aumenta, a sessão do filme "Intocáveis/Intouchables"
está para começar. Ao lado da cadeirante, sua amiga espera, tranquila. A
paciência, nesse caso, acaba sendo uma constante. Mas ela não se importa.
Há quem diga que o cinema francês
já teve dias melhores. A própria temática da imobilidade já foi explorada
belamente em "O escafandro e a borboleta/Le scaphandre et le papillon", de Julian Schnabel, com a
tocante história do jornalista que "ditou" um livro sobre sua
experiência de vida apenas piscando o olho esquerdo – único que ainda conseguia
mexer em seu rosto.
O corpo inerte em uma cama de
hospital e a alma eternamente inquieta também são temas do longa espanhol
"Mar adentro", que conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro e
rendeu a Javier Bardem reconhecimento internacional por sua brilhante
interpretação de um homem que buscava ajuda para morrer. Profundamente delicado
e cheio de abismos de incompreensão, esse não é um terreno fácil de navegar.
Muitos dos espectadores do filme
"Intocáveis", fechados em uma sala escura apesar do exuberante dia de
sol lá fora, talvez se perguntem se ainda há o que falar sobre esse assunto, se
não é melhor deixá-lo escondido junto a tantas outras tragédias, tantos outros
medos que assombram àqueles que não precisam lidar diariamente com a paralisia
do corpo – ameaçados apenas pela estagnação do pensamento.
Não sabemos o quanto temos sorte,
é a mensagem recorrente. Hollywood adora martelar essas palavras em nossas
mentes, como um mantra de que poderíamos muito mais do que somos, de que a
felicidade nunca está ao alcance, que ela precisa ser eternamente buscada.
Nisso, o longa de Olivier Nakache e Eric Toledano faz um detour da regra: sim, é possível dar risada do que nos causa
angústia. Tudo é uma questão de perspectiva.
O filme teria os elementos ideais
para se tornar um apelo melodramático, mas optou pela leveza. Em sua
inconsequência, imaturidade e até ingenuidade, o personagem Driss (Omar Sy) é o
amigo de que o tetraplégico Philippe (François Cluzet) precisava. Ele
representa a quebra de uma falsidade humanística, de uma intelectualidade que
se protege em sua distância do mundo real.
Existe um motivo pelo qual o
filme fez tanto sucesso, não só na França. Ele fala a um público que é em si
mesmo imperfeito, cheio de falhas e de atitudes politicamente incorretas - mas
que, ainda assim, pode ensinar muitas coisas. A primeira delas, a deixar de
lado conceitos de superioridade e olhar para as outras pessoas como iguais,
como fazem os verdadeiros amigos. Não sentir pena, mas saber rir das pequenas
coisas, pois são elas que fazem a diferença.
Na saída do cinema, a mulher na
cadeira de rodas abre um enorme sorriso. A amiga coloca a mão em seu ombro e
sorri com ela, entendendo que algumas mensagens valem a pena ser repetidas.