domingo, 23 de setembro de 2012

Cinema & Etc. - O Retorno



É preciso dois funcionários do cinema para descer a cadeira de rodas escada abaixo. A fila na bilheteria aumenta, a sessão do filme "Intocáveis/Intouchables" está para começar. Ao lado da cadeirante, sua amiga espera, tranquila. A paciência, nesse caso, acaba sendo uma constante. Mas ela não se importa.

Há quem diga que o cinema francês já teve dias melhores. A própria temática da imobilidade já foi explorada belamente em "O escafandro e a borboleta/Le scaphandre et le papillon", de Julian Schnabel, com a tocante história do jornalista que "ditou" um livro sobre sua experiência de vida apenas piscando o olho esquerdo – único que ainda conseguia mexer em seu rosto.

O corpo inerte em uma cama de hospital e a alma eternamente inquieta também são temas do longa espanhol "Mar adentro", que conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro e rendeu a Javier Bardem reconhecimento internacional por sua brilhante interpretação de um homem que buscava ajuda para morrer. Profundamente delicado e cheio de abismos de incompreensão, esse não é um terreno fácil de navegar.

Muitos dos espectadores do filme "Intocáveis", fechados em uma sala escura apesar do exuberante dia de sol lá fora, talvez se perguntem se ainda há o que falar sobre esse assunto, se não é melhor deixá-lo escondido junto a tantas outras tragédias, tantos outros medos que assombram àqueles que não precisam lidar diariamente com a paralisia do corpo – ameaçados apenas pela estagnação do pensamento.

Não sabemos o quanto temos sorte, é a mensagem recorrente. Hollywood adora martelar essas palavras em nossas mentes, como um mantra de que poderíamos muito mais do que somos, de que a felicidade nunca está ao alcance, que ela precisa ser eternamente buscada. Nisso, o longa de Olivier Nakache e Eric Toledano faz um detour da regra: sim, é possível dar risada do que nos causa angústia. Tudo é uma questão de perspectiva.

O filme teria os elementos ideais para se tornar um apelo melodramático, mas optou pela leveza. Em sua inconsequência, imaturidade e até ingenuidade, o personagem Driss (Omar Sy) é o amigo de que o tetraplégico Philippe (François Cluzet) precisava. Ele representa a quebra de uma falsidade humanística, de uma intelectualidade que se protege em sua distância do mundo real.

Existe um motivo pelo qual o filme fez tanto sucesso, não só na França. Ele fala a um público que é em si mesmo imperfeito, cheio de falhas e de atitudes politicamente incorretas - mas que, ainda assim, pode ensinar muitas coisas. A primeira delas, a deixar de lado conceitos de superioridade e olhar para as outras pessoas como iguais, como fazem os verdadeiros amigos. Não sentir pena, mas saber rir das pequenas coisas, pois são elas que fazem a diferença.

Na saída do cinema, a mulher na cadeira de rodas abre um enorme sorriso. A amiga coloca a mão em seu ombro e sorri com ela, entendendo que algumas mensagens valem a pena ser repetidas.

terça-feira, 11 de maio de 2010

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Só pra constar

Férias prolongadas pro Cinema & Etc. (mas continuo trabalhando incansavelmente... e a culpa agora é dos editais do MinC).
Muitos filmes entre dezembro e fevereiro. O único que fiz questão de rever no cinema, Avatar. Em 3D, of course.
Para quem ainda não sabe, já é oficialmente o filme de maior arrecadação na história (nos EUA e no mundo). Nenhuma surpresa nisso. Se alguém duvidava que James Cameron chegaria ao topo outra vez depois de Titanic, aí está. E a famosa frase megalomaníaca do protagonista ("I'm the king of the world") não poderia ser mais apropriada.
A esperança é de que o sucesso de Avatar se reflita positivamente na produção cinematográfica como um todo. Não na forma de uma corrida desesperada dos estúdios para transformar qualquer filme em truque visual, mas permitindo carta branca a bons diretores. Christopher Nolan (Batman - O Cavaleiro das Trevas / The Dark Knight) é o melhor exemplo de que o potencial das ideias originais é enorme. Pra ter certeza disso, basta ver o trailer de sua mais nova empreitada, Inception: Clique aqui ;-)
Nesse sentido (liberdade a diretores geniais), outro que precisa ser mencionado é Spike Jonze, que recentemente me deslumbrou com a pequena obra prima Onde Vivem os Monstros / Where the wild things are. Mas como ele merece um pouco mais do que essas breves linhas, fica para a próxima.
Devo voltar em março, comentando os vencedores do Oscar 2010. Até lá, take care... e boa diversão.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Sonhos, pesadelos e etc.

Enfim, chegamos à semana do Natal. Agora podemos descansar de todos os compromissos - sim, porque as aparentemente inofensivas tarefas de comprar presentes, arrumar enfeites, preparar cardápios especiais, organizar festas ou viajar acabam se tornando quase um trabalho em tempo integral – e começar a aproveitar o que realmente importa. Mas então, o que é o mais importante nesta época do ano?
O estranho mundo de Jack / The nightmare before Christmas (em tradução livre, O pesadelo antes do Natal) conta a história de um personagem bastante peculiar, que talvez nos ajude a responder essa pergunta. Jack Skellington é o “rei das abóboras” em Halloweentown (a cidade do Halloween, o Dia das Bruxas). Basicamente, sua função – e dos demais habitantes desse bizarro lugar – é garantir que, todos os anos, o Dia das Bruxas seja o mais horripilante possível.
O problema é que, após mais um ano de assustadoras aventuras, Jack está cansado dessa rotina. Falta algo em sua vida. É quando, acidentalmente, ele acaba encontrando o caminho para Christmastown (a cidade do Natal), um lugar muito diferente de tudo a que está acostumado. Extasiado com a descoberta, Jack tenta mostrar aos cidadãos de Halloweentown como o Natal é maravilhoso, e vai além: resolve, ele mesmo, fazer o papel do bom velhinho naquele ano. Para tanto, contrata três pestinhas, que se encarregam de sequestrar o verdadeiro Papai Noel.
O que Jack não percebe é que sua visão do Natal difere muito do que as pessoas esperam. Ele se engana ao pensar que a diversão só existe na cidade vizinha, que tudo é melhor na vida dos outros, e mais ainda ao considerar que a resposta está ali ao lado, quando na verdade deveria procurá-la dentro de si mesmo. Também se engana ao acreditar que o espírito do Natal se resume a presentes e que basta colocar a roupa do Papai Noel para magicamente se transformar em alguém que não é.
Lançado em 1993 pela Skellington Productions Inc., O estranho mundo de Jack foi dirigido por Henry Selick, embora carregue todo o estilo visual de Tim Burton, seu idealizador. O filme é um musical e também uma animação, mas a leveza de ambos os gêneros ganha profundidade com a melancolia das criaturas de Burton, que é conhecido por seus personagens excêntricos e pela direção de arte inspirada em elementos góticos, como em Edward Mãos de Tesoura / Edward Scissorhands e no remake de A fantástica fábrica de chocolate / Charlie and the chocolate factory.
Mesmo esquisito e deslocado, Jack é um pouco como todos nós. Na ânsia em deixar tudo pronto e perfeito para concretizar nossas fantasias de boas festas, acabamos esquecendo que, antes das coisas materiais, uma única coisa abstrata deveria definir essa data. Se não somos capazes de encontrar alegria nas pessoas que amamos, independentemente dos presentes e guloseimas, algo está errado em nosso mundo. Isso significa que, enquanto sonhamos com aquilo que não temos, a felicidade que está bem ao nosso alcance vai passando. Quando acordarmos, na manhã de Natal, sobrarão apenas lindos embrulhos em caixas vazias.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Como fazer a coisa certa

Com o ano cada vez mais perto do fim, por mais fatalista que possa parecer, chegamos ao famoso momento de rever o que aconteceu nos últimos trezentos e tantos dias para tentar não repetir os mesmos erros em 2010. É sempre assim: o suposto milagre da virada. Tudo isso para, nem bem janeiro desponta no horizonte, acabarmos abandonando todas as maravilhosas ideias de mudança e voltando aos velhos hábitos. Mas seria esse um caso clássico de “o que vale é a intenção”?
Para ilustrar a questão, analisemos uma pequena história. Na década de 30, na Inglaterra, Briony é uma garota de 13 anos que quer ser escritora. Um belo dia, ela vê sua irmã mais velha, Cecilia, com o filho da empregada, Robin, junto a uma fonte. Levada por sua fértil imaginação, Briony interpreta a cena como um incidente de assédio. Pouco depois, ela acaba lendo uma carta de Robin destinada a Cecilia. Finalmente, a garota presencia outra cena entre os dois na biblioteca, apenas para concluir que o rapaz é de fato um pervertido sexual.
Quando, naquela mesma noite, um crime acontece na propriedade da família de Briony, ela não tem dúvidas sobre o culpado. Robin é acusado e preso, deixando para trás os planos de se formar em medicina e também o amor que acabava de descobrir com Cecilia. Ela é a única a defender a inocência dele, e se afasta de Briony para o resto da vida. Enquanto isso, Robin é enviado para lutar na 2a Guerra Mundial.
Muitos anos depois, já velha, Briony se torna uma escritora bem sucedida, mas sofre de uma doença terminal. Ela acaba de finalizar o livro Atonement (em português, Reparação), no qual reconhece seu comportamento leviano, que destruiu as vidas de tantas pessoas, e tenta reparar os erros cometidos na juventude. No entanto, considerando toda a infelicidade causada, não será tarde demais para isso?
Essa é a trama de Atonement, romance do autor britânico Ian McEwan, que aborda de maneira envolvente as relações familiares, o tempo, o remorso, a culpa. O livro ganhou uma belíssima versão para o cinema em 2007, produzida pela Universal Pictures e sob a direção de Joe Wright, com Keira Knightley e James McAvoy nos papéis de Cecília e Robin. Desejo e Reparação / Atonement foi indicado ao Oscar de Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Figurino, Cinematografia, Direção de Arte e Atriz Coadjuvante (a jovem Saoirse Ronan), e venceu na categoria de Trilha Sonora Original (pelo impecável trabalho de Dario Marianelli).
A moral da história, se é que existe, fica a cargo do espectador (ou leitor). Mesmo não sendo esse o objetivo de ambas as obras, talvez se possa aproveitar um pouco delas para nossas resoluções de ano novo. A primeira, diz respeito a uma pergunta: de que adianta chorar por aquilo que não se pode mais mudar? A segunda, uma simples conclusão: ao invés de nos esforçarmos para reparar os erros passados, quem sabe seja interessante, antes de cometê-los, avaliar nossas ações no presente. Não significa que acertaremos sempre, mas certamente pode ser um bom começo.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Entre mortos e feridos, perdem-se todos*

A realidade pelo ponto de vista de uma criança tende a parecer, para nós (supostamente adultos), um pouco menos cruel. A realidade do ponto de vista de Cao Hamburger, diretor do filme brasileiro O ano em que meus pais saíram de férias, é um perfeito exemplo do quanto isso pode estar errado.
Produzido pela Gullane Filmes e lançado em 2006, o filme poderia se resumir a uma história que revela nosso país, nos anos 70, pelos olhos de um menino – Mauro (Michel Joelsas). Na verdade, aborda a esperança desse menino em reencontrar os pais, que “saíram de férias” e prometeram retornar antes da Copa do Mundo. Só que o Brasil se encontra em plena ditadura militar e os pais de Mauro são foragidos.
A princípio deixado no prédio do avô, que morre, o menino acaba aos cuidados de um vizinho, o velho Shlomo. A amizade dos dois pode parecer o ponto principal da narrativa, mas não é. Por mais que seja louvável estabelecer laços, por mais que haja alegria em conquistas esportivas, não nos deixemos enganar. O que realmente importa é o fato de que, enquanto a seleção brasileira vence seus jogos e segue rumo à conquista do título, alguém espera – por uma mentira. Enquanto torcemos, um país se perde em censuras, torturas, perseguições – e é o nosso. Mauro, que observa seu mundo com um olhar de cachorrinho sem dono, é apenas o lado bonito da repressão. Mas representa a infância perdida. Não há vitória no futebol que compense essa perda.
Esta semana, perdemos mais um pouco de nossa dignidade. Por causa de notícias como a vergonhosa reação da torcida do Coritiba à derrota contra o Fluminense, temos a impressão de que todas as lutas já ganhas pelo bem desta pequena nação não valem nada. Não merecemos as liberdades que temos, porque ainda nos deixamos levar como a massa impensante que somos. Os torcedores insatisfeitos são apenas um exemplo (certo, o pior exemplo) da selvageria a que se chega quando perdida a noção de individualidade. Porque um sujeito faz algo, todos podem fazer? Se esse algo for errado, isso não vem ao caso?
Então é digno da denominação de ser humano invadir um campo, agredir a polícia, jogar pedras, arrancar grades e arquibancadas, portas e computadores, destruir carros e quebrar estabelecimentos comerciais de quem não tem nada a ver com a história? Ou apedrejar a casa do técnico do time adversário? Não apenas selvageria, mas covardia. Por causa de fanatismo, pura falta de opinião própria.
Numa escala infinitamente mais absurda, porém menos violenta, outro episódio recente chama a atenção para esse tipo de atitude. Em uma universidade de São Paulo, uma garota foi atacada e praticamente linchada por usar um vestido curto. E achamos que a ditadura terminou? Que não existe mais censura? Ou regredimos a um mundo em que todos se julgam no direito de jogar pedras nos pecadores? Interessante que, para lutar por nossos direitos políticos, ninguém se atreve a mover um dedo.
As causas de hoje são vazias de sentido, por isso tão perigosas. Quando um bando de pessoas se junta para agir como uma coisa só, elas se transformam em meros marionetes. Objetos sem propósito. Jogamos por terra séculos de avanços humanos e voltamos à selva. A ponto de que comparar esse tipo de comportamento ao dos animais seria um insulto a eles, porque os animais não se anulam conscientemente, nem atacam sem motivo. Agora, não temos o direito de nos autodesignarmos “sapiens” se não somos capazes de agir como tais.

*Thanks, Thiago, por iniciar essa conversa.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

As mesmas guerras

Já que o assunto tem circulado em torno das decisões políticas internacionais – mas que eventualmente afetam nossas pobres vidinhas aqui no hemisfério sul – a notícia desta semana acabou vindo, outra vez, de Barack Obama. Há poucos dias o presidente dos Estados Unidos anunciou sua nova estratégia com relação ao Afeganistão, que inclui o envio de aproximadamente 30 mil tropas adicionais ao país.
Os motivos são as reservas de petróleo do Oriente Médio. Prova apenas de que os norte-americanos não são capazes de permanecer mais do que alguns anos sem arrumar briga com os povos árabes. Ainda no início desta década, George W. Bush (o filho) realizou uma verdadeira cruzada para derrubar Saddam Hussein do poder no Iraque e procurar pelas famosas armas de destruição em massa – que, aliás, nunca foram encontradas. Mas o conflito é bem mais antigo.
Há vinte anos atrás, no governo de outro Bush (o pai), milhares de jovens, entre eles os “marines” (fuzileiros navais), foram enviados à Arábia Saudita e arredores do Iraque para a chamada Operação Tempestade no Deserto. O objetivo oficial era defender o Kuwait invadido por Saddam. O único interesse daquela que ficou conhecida como a Guerra do Golfo, naturalmente, era proteger os preciosos campos de petróleo.
A guerra, que teve início em 1990, é o tema de um filme que retrata o ponto de vista de um desses “marines”. Soldado Anônimo / Jarhead, dirigido pelo britânico Sam Mendes e lançado em 2005, é uma produção da Universal Pictures inspirada na história real do soldado Anthony Swofford (interpretado por Jake Gyllenhaal).
Swoff é um dos chamados “jarheads” (cabeças de vaso). Ele chega ao deserto com ordens de se manter alerta e preparado para um possível ataque ao inimigo. Só que, na prática, sua rotina se resume a andar na areia, beber água e atirar em alvos imaginários. Os meses vão passando, mais tropas são enviadas à região, e a posição defensiva dos “marines” começa a se tornar enlouquecedora. A disciplina se transforma em tédio, o tempo livre em vadiagem e a falta do que fazer em frustração.
Os ideais de se tornarem heróis, causas de orgulho a seu país, espalham-se ao vento como a areia que invade até os sonhos dos soldados. Ideais esses que nunca foram muito profundos mesmo, por isso a facilidade em abandoná-los. A geração da Guerra do Golfo tem como herança o fiasco da Guerra do Vietnã. Os jovens de hoje em dia continuam morrendo por guerras nas quais nem sequer acreditam, simplesmente para satisfazer aos interesses de quem está no poder. “Quem você acha que deu a Saddam suas malditas armas?”, um deles pergunta. Foram os próprios norte-americanos, que ainda não se deram conta de que o legado dos “jarheads“, os cabeças vazias, continuará reinando enquanto esse tipo de questionamento for ignorado.
De quem é o tempo desperdiçado nas guerras? Não é dos políticos, mas dos soldados, que esperam para usar seus brinquedinhos (os rifles) como se estivessem dentro de um videogame. Mas quem vence as batalhas? Definitivamente, não são os soldados. Quando se trata do que realmente importa, eles são meros efeitos colaterais.
Vivemos em um mundo que desiste muito facilmente, que aceita sem discutir. Um mundo de fantoches descartáveis, que se autodestroem por motivo nenhum. As conquistas da humanidade já não fazem diferença, porque não são nossas. Então lutamos sem paixão, de mentirinha, porque não aprendemos. Não acreditamos mais em grandes causas. Mas será que sempre foi assim? Em Soldado Anônimo, Swoff decreta: “Toda guerra é diferente, toda guerra é a mesma”.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Sobre verdades e mitos

Enquanto os governos latino-americanos se ocupam causando tensões políticas ao receberem o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad (Lula foi um dos que fizeram questão de discutir com ele a questão nuclear), duas potências mundiais começam a abrir os olhos para uma outra questão, essa muito mais urgente. Nesta semana, China e Estados Unidos fizeram declarações que apontam como luzes no fim de um túnel que, se permanecesse escuro como nos últimos anos, possivelmente nos levaria em pouco tempo à auto-destruição.
A China, cuja economia se tornou extremamente ativa na última década, acaba de declarar que tentará reduzir entre 40 e 45% sua emissão de gases poluentes na atmosfera. Já o atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao contrário de seu antecessor, parece ter entendido que a crise climática não é mais um probleminha que pode ser empurrado para baixo do tapete. Desde que o governo norte-americano se recusou a aderir ao Protocolo de Quioto – acordo assinado em 1997, que comprometia os países envolvidos a reduzirem suas emissões de CO2 – os protestos tem sido veementes quanto ao fato de que seria obrigação do país que mais polui ser também o primeiro na luta pela preservação do meio ambiente.
Ao que parece, 2009 aponta para a possibilidade da mudança desse quadro. Obama se comprometeu a participar pessoalmente da Conferência do Clima que a ONU realizará em Copenhague no mês que vem, onde tornará oficial a meta de, até o ano de 2020, reduzir em 17% a poluição emitida por seu país. Embora a promessa soe como um longo caminho a percorrer, pois muito mal pode ser feito ao planeta enquanto eles tentam se adaptar a essa realidade, toda jornada deve começar com um primeiro passo.
O apelo mundial pela conscientização, principalmente dos EUA, existe há algum tempo. Em 2006, um filme já havia abordado esse assunto de maneira muito eloquente. Uma verdade inconveniente / An inconvenient truth, é um documentário dirigido por Davis Guggenheim, tendo como protagonista o ex-concorrente de George Bush à Casa Branca: Al Gore. O filme foi produzido pela Lawrence Bender Productions e recebeu dois Oscars (melhor documentário e melhor música). Como tema, o aquecimento global – que na época parecia preocupar todos os países do mundo, menos os Estados Unidos.
Uma verdade inconveniente acompanha a trajetória política de Al Gore e seu circuito de palestras, alertando sobre nosso potencial de destruição da camada de ozônio e a consequente crise climática que estamos fadados a enfrentar. Com números claros e preocupantes (para qualquer ser humano com um mínimo de bom senso), a questão é explicada e discutida. Perguntas são colocadas em pauta, soluções são sugeridas. Se queremos garantir nosso futuro como civilização, responsabilidades precisam ser assumidas e posicionamentos tomados.
O documentário interessa não apenas porque, com os slides de Al Gore e as imagens contundentes de Guggenheim, o espectador se sente como um participante da palestra. Mas porque diz respeito a todos nós e ao lar que chamamos de Terra. A compreensão dos problemas apresentados não exige muito esforço. A visão do que irá acontecer por nossa própria culpa, menos ainda.
Sim, é verdade que estamos acabando com o único lugar que permite nossa existência. E é mito que soluções paliativas irão reverter essa situação. A chave, naturalmente, está na mudança de atitudes. Embora sejamos pequeninos perante a grandeza do universo, cada um de nós tem poder. São as ações individuais que, juntas, transformam a coletividade. Não precisamos (ainda) de milagres, só de consciência e boa vontade. Quem sabe assim, daqui a algumas centenas de anos, ainda tenhamos um planeta azul para chamar de nosso.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Os infernos que criamos

Paraíso agora. Além de uma utopia que está muito longe da realidade mundial, especialmente no Oriente Médio, essa é a tradução do título do filme Paradise Now, que retrata o conflito entre israelenses e palestinos do ponto de vista daqueles que normalmente não tem muita voz no mundo ocidental.
A desconsideração do Ocidente aos apelos palestinos teve mais uma prova na última segunda-feira, quando a União Europeia rejeitou a proposta para a criação de um Estado palestino independente de Israel junto ao Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas). O ministro das Relações Exteriores da Suécia justificou que ainda não há condições para o reconhecimento desse Estado. Os líderes europeus alegam que as duas partes precisam voltar a negociar.
Enquanto isso, israelenses e palestinos continuam se matando por terras que ambos os povos consideram suas por direito. Em 1948, palestinos ocupavam os territórios que foram anexados ao Estado de Israel, criado pela ONU. Desde então, eles tem negado a legitimidade dessa resolução e lutado violentamente – com o apoio dos países árabes que cercam Israel – pelo estabelecimento do Estado da Palestina.
Paradise Now conta a história de dois amigos, Said e Khaled, recrutados por um grupo extremista para realizar um ataque terrorista em Tel-Aviv. Produzido em 2005 pela Augustus Films e dirigido por Hany Abu-Assad, o filme causou polêmica ao ser indicado para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A trama se concentra na relação entre os homens-bomba palestinos, suas crenças e a maneira como elas afetam suas vidas, sem julgamentos pessoais e sim analisando o contexto social que culmina em atos desesperados. Quando, no dia de cumprir sua missão, os dois amigos se separam na fronteira dos territórios, Said desaparece. Embora mantenha o propósito de levar o ataque adiante, guiado por sua fé no destino e no paraíso, ele não consegue evitar os questionamentos sobre o que está prestes a fazer.
Com um roteiro honesto, que não recorre a saídas fáceis ou ilusórias, o filme lida de forma sensível com uma das questões mais complexas da atualidade. Humaniza os “vilões da história”, mas sem transformá-los em “coitadinhos”. Sabemos que o suicídio não é sacrifício, é vingança. Quando as vítimas se tornam assassinas, não há diferença entre elas e seus opressores. Mas num mundo em que a vida não oferece muitas opções e o paraíso é a única esperança de melhora, em que a guerra é o único caminho para a liberdade, é compreensível a escolha desses homens: “se não podemos viver como iguais, ao menos morreremos como iguais.”
Paradise Now faz pensar, faz sentir. Para aqueles se que sentem incomodados pelo ponto de vista abordado, seria interessante observar que a consciência e a discussão desses fatos pode ser um começo de solução. Não é mais possível camuflar a realidade. Os terroristas, antes de serem convencidos a agirem como tais, possuíam empregos, famílias e amigos, como qualquer pessoa. Em sua concepção, a luta armada busca o fim da injustiça e da covardia, porque chega um momento em que simplesmente não vale a pena viver sem dignidade. É perturbador vê-los como seres humanos e entender suas razões. Mas é também uma perspectiva que merece ser vista.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Adeus, muros?

Nesta semana, a Alemanha e o mundo comemoraram o aniversário de vinte anos de uma queda. Em novembro de 1989 foi derrubado o Muro de Berlim (que separava a Alemanha em dois lados: o Ocidental – capitalista, e o Oriental – socialista). A divisão do país ocorreu logo após a 2a Guerra Mundial, simbolizando a rivalidade entre EUA e URSS, que se estendeu durante todo o período da Guerra Fria.
Muito se tem falado sobre esses fatos históricos, pouco se tem acrescentado ou verdadeiramente refletido a respeito. Nesse sentido, Adeus, Lênin! / Good Bye Lenin!, da produtora alemã X-Filme Creative Pool, talvez seja uma das exceções. Lançado em 2003 e dirigido por Wolfgang Becker, o filme retrata os acontecimentos sob a perspectiva das relações familiares dentro de uma sociedade em transformação. No entanto, não se limita a isso, oferecendo também um consolo àqueles que – onde quer que estejam – ainda acreditam em regimes políticos mais justos.
Adeus, Lênin! conta a história de Alex (Daniel Brühl), um alemão do lado socialista que sonha em ser astronauta e deseja a unificação do país. As coisas mudam quando sua mãe (Katrin Sass) tem um enfarte e entra em coma. Alex passa a se dedicar a ela, na esperança de uma recuperação, enquanto a realidade a seu redor também sofre grandes mudanças. O muro cai e a Alemanha volta a ser uma nação única, sob o signo do capitalismo e da Coca-cola que invade as ruas.
Um belo dia, a mãe de Alex acorda do coma. Informado que ela ainda está muito debilitada e deve evitar emoções fortes, o rapaz se vê em um dilema: como contar para a mãe, fiel partidária dos ideais socialistas, que seu amado país se vendeu e cedeu ao poder do Ocidente? Alex decide simplesmente não falar a verdade. Para tanto, ele é obrigado a montar um esquema de ação que vai se tornando cada vez mais difícil de sustentar. Sua irmã, sua namorada, seus vizinhos, seu apartamento, até mesmo os programas na TV, tudo é preparado para que a mãe de Alex acredite que ainda vive em uma república socialista.
A mentira que o filho se esforça tanto para manter é, na opinião dele, uma forma de proteger a mãe. Mas até que ponto pode ser justificável enganar alguém, mesmo que por amor, mesmo que para o bem dela, se essa pessoa perde o direito de ver a realidade com seus próprios olhos? A namorada de Alex chega a perguntar: “Que diferença faz, uma vez que se começa a mentir?”
A Alemanha criada para a mãe de Alex era o país em que ela acreditava e com o qual havia sonhado. Só que não era o país que estava acontecendo lá fora. Alimentando sua farsa, quase sem perceber Alex construiu mais um muro, imaginário mas tão nocivo quanto o muro concreto: uma barreira entre sua mãe e a verdade. Ele acaba descobrindo que as mentiras são filhas dos medos e geram sofrimentos que poderiam ser evitados. São elas que criam as divisões.
O socialismo das ideologias não visava o isolamento. Então por que tantos muros? Mesmo que alguns já tenham caído ao chão, outros novos continuam sendo erguidos. Muros cada vez mais altos. Se vivemos em um mundo supostamente globalizado, as segregações não deveriam existir. Mas existem. E existirão até que o primeiro de nós, cansado de não ser livre em um mundo que pertence a todos, ultrapasse a fronteira da intolerância e comece a quebrar as pedras, uma a uma.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Esfriando os ânimos

A temperatura aumenta. Ao ar livre, o sol se prepara para tostar quem sob ele se arrisca. Em locais fechados, a sensação é de uma sauna indesejada. Suamos e nos abanamos, reclamando do calor infernal. Saudosos, lembramos do inverno, esquecendo que no frio as reclamações eram bem parecidas - só que ao contrário.
Esse cenário poderia simplesmente ilustrar o verão que abrasa a maioria das cidades brasileiras, mas também trouxe à tona uma trilogia que - se difere um pouco dos outros filmes desta coluna - tem pelo menos um mérito: amenizar o calor com uma dose de bom humor. A animação A Era do Gelo / Ice Age, foi produzida pela Blue Sky Studios em 2002 e co-dirigida por Chris Wedge e Carlos Saldanha. Seguindo essa bem sucedida fórmula, o brasileiro Saldanha deu continuidade à série, com o segundo filme (Ice Age - The Meltdown), lançado em 2006, e o terceiro (Ice Age - Dawn of the Dinosaurs), exibido nos cinemas há poucos meses, inclusive na versão 3D.
Boa parte da popularidade do filme e de suas continuações se deve à identificação do público com os personagens, um grupo de animais cujas aventuras se passam no período glacial: o mamute Manny, a preguiça Sid, o tigre dente-de-sabre Diego e o esquilo Scrat (que começa como um mero coadjuvante, mas acaba roubando a cena com sua famosa e sempre engraçada obsessão por nozes).
O primeiro A Era do Gelo fala sobre a difícil arte de estabelecer laços. Numa jornada para longe das geleiras, em busca de climas mais amenos, Manny conhece Sid e acaba ganhando um inconveniente companheiro. Durante a viagem, eles resgatam um bebê humano e resolvem devolver a criança à sua tribo. Diego se junta aos dois e consequentemente também é envolvido pelos objetivos heróicos de Manny e Sid. Lutando contra os perigos das terras geladas que atravessam, esses incomuns amigos descobrem, em seus próprios relacionamentos, conflitos que no fundo são bem piores do que a mudança climática.
O segundo filme aborda a fase do degelo. Prontos para uma nova vida, imagina-se que de fartura, os três companheiros se deparam com mais problemas, entre eles o fato de que aparentemente Manny está fadado à solidão: não existem mamutes fêmeas sobreviventes. Ou talvez até exista uma, o que seria ótimo se ela não se pensasse ser um gambá. Além disso, a água descongelada dos oceanos ameaça invadir o vale onde vivem nossos heróis, que embarcam em uma missão para salvar sua comunidade.
O terceiro e mais recente filme trata das complicações que surgem para Manny durante a ansiosa espera por seu primeiro filho. Sid e Diego, sentindo-se deslocados no antes tão natural grupinho de amigos, começam a desejar suas próprias realizações, principalmente suas próprias famílias. Nessa busca, desbravando terras desconhecidas, eles se deparam com novos inimigos: os dinossauros.
Apesar de algumas criticadas incorreções históricas, do apelo a um ou outro clichê (como o paquiderme “durão” e a preguiça “burrinha”, mas de bom coração), e de seguir nos três filmes a mesma receita de trama simples para agradar a uma maioria não muito exigente, A Era do Gelo é certamente uma trilogia bem intencionada. O coração sai aquecido por um tipo de diversão despretensiosa que valoriza aspectos positivos do comportamento humano, refletidos nas atitudes dos animais/personagens. De quebra, o corpo se esquece do clima tão quente que arde lá fora. Rir pra esquecer. Não é para isso que servem as comédias desta vida?

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A medida do eterno

Temos nosso próprio tempo, determinado por cada experiência vivida. Felizes, sentimos que ele teima em passar voando. Na ansiedade, estende-se indefinidamente. Com a proximidade do dia que homenageia os mortos (aqueles cujo tempo já se esgotou por aqui) nós desejamos – com ingenuidade – o exato oposto daquilo que possuímos. Fonte da Vida / The Fountain é um filme que explora esse desejo, o mais profundo do ser humano e também o mais impossível: vencer o poder das horas.
Com a direção de Darren Aronofsky, o filme foi produzido pela Warner Bros. Pictures e lançado em 2006. De uma forma anticonvencional, propositalmente desconstruindo a linearidade do tempo, a narrativa percorre um período de mais de mil anos para contar três histórias paralelas, todas elas envolvendo o mesmo casal, interpretado por Hugh Jackman e Rachel Weisz.
No tempo presente, Tom e Izzi enfrentam um problema: ela está morrendo. Ele, médico, busca desesperadamente a cura para o tumor dela. Corre contra o relógio, perdendo minutos preciosos da companhia de seu amor, para no fim perder também essa luta. Seu oponente é imbatível. Mesmo que Tom não desista, que não aceite a derrota iminente, é tudo em vão. Ainda assim, conseguiria ele viver com a idéia de não ter feito todo o seu possível para salvar Izzi?
Ela, temerosa mas progressivamente resignada, enfrenta outra luta: fazê-lo entender. Nesse ponto entra uma das tramas que ocorrem paralelamente, só que no tempo passado. Izzi escreve e vive uma história em que a rainha da Espanha, vendo seu território ameaçado por reinos vizinhos, envia um conquistador à ainda selvagem América Central em busca da “árvore da vida”, que possibilitaria a salvação espanhola das mãos de seus opressores.
Essa árvore extraordinária é a mesma que acompanha a jornada de um outro personagem, muitos anos depois, num futuro indefinido. Flutuando em uma bolha no espaço rumo a uma estrela que morre aos poucos dentro de uma nebulosa, o misterioso homem revive suas lembranças e sofrimentos, numa jornada de autodescobrimento e iluminação. O viajante busca, através do tempo, um reencontro com sua amada, junto de quem pretende viver eternamente.
O sonho de viver para sempre é tentador. A ideia da morte como uma doença, para a qual supostamente haveria uma cura, é enganosa. A falta de limites, a infinidade de qualquer coisa – mesmo que essa “coisa” seja a vida – vem sempre carregada de perigos. Aronofsky já havia abordado esse assunto anteriormente, com o pesado Requiem para um Sonho / Requiem for a Dream, um filme no qual a busca pelo prazer ilimitado (no caso, das drogas) leva à destruição. A diferença é que em Fonte da Vida ele vai além e opta por construir uma história de amor quase espiritual, analisando a morte com base na fragilidade de nossa existência neste mundo. Uma análise que leva o espectador a entender a necessidade de haver um fim.
Sim, a vida é breve. Ela é imperfeita, cheia de equívocos, de injustiça e de dor. Mas cheia de amor. Esperança. Coisas pelas quais vale a pena viver... ou morrer. Porque o essencial (ainda que difícil, ainda que praticamente inconcebível) é aprender a aceitar. Não a morte, mas a própria vida. Aceitar que as coisas são como tem de ser. Fazer as pazes com isso e abraçar o fato de que a beleza da vida reside justamente na simplicidade de sua finitude.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Labirintos e papéis amarelados

A história do mundo tem caminhos labirínticos. Esta semana, um evento de consequências mundiais faz aniversário. Sem comemorações. No triste outubro de 1922, a Marcha sobre Roma decretou o início de uma era que a humanidade gostaria de esquecer: o império dos regimes totalitários – ou, para deixar de eufemismos, a vergonha representada pelas ditaduras.
A manifestação na Itália marcou a ascensão ao poder do Partido Nacional Fascista, que posteriormente inspiraria a criação, no país vizinho, de um Partido Nacional Socialista – a.k.a. Nazista. Com a Alemanha dominada por Hitler e a Itália por Mussolini, não demorou muito para que os primeiros rebentos do totalitarismo começassem a nascer. Um deles na Espanha, sob o controle do militar fascista Francisco Franco, o qual permaneceria no poder durante quase 40 anos.
O Labirinto do Fauno / El Laberinto del Fauno se passa justamente nesse período negro da política espanhola. Escrito, dirigido e produzido pelo cineasta mexicano Guillermo del Toro, o filme foi lançado em 2006 pela produtora Tequila Gang e premiado com 3 Oscars (Melhor Fotografia, Direção de Arte e Maquiagem).
Corre o ano de 1944 e Ofélia (Ivana Baquero) se muda para uma casa no campo com sua mãe, que está grávida e muito debilitada. O padrasto de Ofélia, um implacável capitão do exército franquista (interpretado por Sergi López), não disfarça seu desprezo pela menina. Em um período logo após a Guerra Civil no país, o capitão não mede esforços – nem violência – para extinguir os últimos resquícios de movimentos rebeldes republicanos, que ainda sonham com a democracia.
Apegando-se ao poder da magia para enfrentar tempos difíceis, Ofélia tem nos livros seus maiores aliados. Tanto é influenciada por eles que acaba se confrontando com personagens apenas imaginados em histórias fantásticas. Levada pelo que acredita ser uma fada, a menina descobre as ruínas de um labirinto onde encontra o Fauno (Doug Jones). A estranha criatura lhe faz uma revelação: embora não se lembre, Ofélia é na verdade a princesa de um Reino Subterrâneo, “onde não há mentira nem dor”. Contudo, para que possa retornar ao reino e rever seu pai, ela deve cumprir três complicadas tarefas antes da lua cheia.
A partir do encontro com o Fauno – ser mitológico que representa o destino e a fatalidade – somos transportados a um universo em que a fantasia se torna cada vez mais real e concreta, pelo menos aos olhos de Ofélia. A história da menina representa a luta pela sobrevivência em um mundo de crueldade e morte. Não apenas para manter vivo o corpo, mas as ideias que o movem. Para preservar o sentimento e principalmente a liberdade, colocada em risco pelo fascismo.
Ainda nos anos 30, praticamente prevendo o controle da Europa pelos regimes antidemocráticos, o filósofo espanhol José Ortega y Gasset já havia alertado para o perigo da perda do pensamento individual através da massificação. Em A rebelião das massas, ele afirmava que o crescimento do poder econômico e político de uma classe média (remediada) levou à criação de uma maioria alienada, que impõe uma cultura de comportamento padronizado e nivelado por baixo. Prato cheio para Estados autoritários, baseados na ilusória salvação do orgulho nacional.
Exemplos disso existem até os dias de hoje, e nem precisamos ir muito longe para encontrá-los. Nossa própria América Latina observa de braços cruzados enquanto o fantasma do autoritarismo volta a nos assombrar. Neste caso, basta um pouquinho de imaginação para ver nosso destino, e infelizmente ele não tem semelhança nenhuma com as aventuras dos contos de fadas.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Vida para ver de fora

Basta ligar a TV. Somos apresentados a Truman Burbank, um homem comum vivendo em uma cidade comum, onde nada de muito extraordinário acontece. Tudo funciona, tudo parece perfeito, só que por trás dessa linda fachada existe algo errado, algo que perturba Truman. Ele não sabe, mas sua vida faz parte de um “reality show”.
Essa é a premissa do filme O Show de Truman / The Truman Show, dirigido por Peter Weir e lançado em 1998 pela Paramount. No papel do protagonista está Jim Carrey, revelando uma face muito diferente da que estamos acostumados a ver. Aqui, a comédia rasgada dá lugar a uma reflexão profunda e interessante sobre o poder da mídia na sociedade de consumo.
A vida de Truman é uma encenação. Desde que nasceu, adotado por uma corporação, seus passos foram captados por milhares de câmeras espalhadas em uma cidade cenográfica onde todos são atores. Sua família, sua esposa, seus amigos, cada um deles trabalhando para manter a estrela do show alheia à sua real condição.
Mas nem a melhor redoma permanece intacta de rachaduras. Pouco a pouco, Truman começa a perceber detalhes estranhos à sua volta. Um holofote que cai do céu, uma transmissão de rádio que narra o que acontece na rua, propagandas que entram em cena descaradamente no seu dia-a-dia. Truman desconfia. E começa a se perguntar sobre o que está lá fora, desejar além.
Em O mundo como vontade e representação, o filósofo Arthur Schopenhauer já havia abordado esse problema, com a conclusão de que viver é sofrer. Ou seja, o homem está fadado à insatisfação. Para Truman, prisioneiro da própria ignorância, a angústia é buscar seu propósito no universo. Eventualmente, a história toca também em outro conflito antigo da humanidade: a vida não se resume ao nosso próprio umbigo. "Às vezes parece que o mundo inteiro gira em torno de mim", diz Truman. “É bastante mundo para um homem só”. Neste caso, nem tanto.
O que ele busca é apenas uma identificação com algo além de si mesmo. Na ilusão da vida tipo “comercial de margarina”, nada é autêntico. Tudo é produto, tudo é feito para ser vendido, não sentido ou pensado. Christof, o criador do show no filme (interpretado por Ed Harris), considera-se um pai para Truman, mas até o afeto que tenta demonstrar é uma mera fantasia de sinceridade: ele gosta de sua “criatura” porque ela faz sucesso. Como o maestro de uma orquestra, rege cada movimento para que aquilo que se vê na tela volte refletido em audiência, em lucro. Brinca de Deus, com o poder onipotente de interferir no destino do “filho” - ou mesmo destruí-lo. Não há limites, e a moral do “entretenimento acima de tudo” é bastante duvidosa.
Participando desse processo está o espectador padrão. Cansado de pirotecnias, ele se vê entediado com atores fingindo emoções falsas. Ainda que o mundo de Truman seja coreografado, não há falsidade na pessoa que o protagoniza. Não há falas decoradas nem reações previsíveis. O resultado não é sempre genial, mas é genuíno.
De suas casas, os telespectadores acompanham O Show de Truman como se o conhecessem intimamente. Torcem para que o personagem reencontre um amor do passado, perguntam-se o que irá acontecer se ele descobrir que seu mundo é uma farsa, riem e choram com as alegrias e dores desse ator que não escolheu fazer parte do espetáculo, privado de qualquer resquício do seu livre arbítrio. Quem assiste ao programa imagina que se importa com Truman, mas não nota o fato de que ele é um simples fantoche manipulado por uma equipe de produção. E isso, meus caros, chama-se alienação.
Em uma cultura obcecada por realidades cuidadosamente construídas, as pessoas preferem se recolher em suas casas para observar como “voyeurs” a vida social de outras pessoas. Elas projetam seus desejos nas imagens que vêem na tela. Através dos personagens da ficção, encontram um meio de vivenciar novas aventuras. Então, esperam sempre por algo extraordinário – o próximo close, as frases marcantes, os efeitos especiais. E nunca é suficiente. Ainda que parecido com "a coisa em si", o que está ali não passa de uma realidade maquiada, de mentirinha.
Assim, podemos desligar a TV ou sair do cinema aliviados - nada nos aconteceu de fato. Deixamos de viver para mergulhar em sonhos abstratos, e perdemos o que há de melhor do lado de cá da tela: a minha vida, a sua vida - que é pra valer e acontece agora. Também tem começo, meio e fim. Só não dá pra apertar a tecla “rewind” ou refilmar o roteiro, por menos empolgante que seja a história.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A arte de mover montanhas

Deus é brasileiro, dizem. A escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016 está aí pra reforçar essa tese. A fé sempre foi nosso forte, já que nos outros departamentos – o que inclui educação, saúde, segurança, trabalho, qualidade de vida e principalmente honestidade – a credibilidade do país se enfraquece a cada dia.
Enquanto se aproxima o feriado que celebra a padroeira do Brasil, ela parece um assunto pertinente. Não a religião em si, nem suas variações de culto, mas a própria Nossa Senhora. Aparecida de muitos outros nomes, imagem da mãe complacente que se tornou protagonista de algumas de nossas melhores histórias.
No Auto da Compadecida, essa complacência pelo jeitinho malandro tão brasileiro aparece em toda a sua glória. Originalmente uma peça de teatro escrita por Ariano Suassuna, a trama é construída com bom humor e uma expressiva mistura de elementos, tanto religiosos quanto do imaginário popular nordestino. Em termos gerais, trata-se de uma comédia que acha sua graça no poder de acreditar. Pulando do universo teatral para o audiovisual, O Auto da Compadecida fez sua primeira parada na televisão, como minissérie da rede Globo. Sob a inventiva direção de Guel Arraes, a versão reduzida da série virou filme e estreou nos cinemas em 2000.
O auto começa no sertão da Paraíba, acompanhando dois “picaretas”: João Grilo (personagem de Matheus Nachtergaele) e Chicó (Selton Mello). Eles anunciam A Paixão de Cristo, que além de ser "o filme mais arretado do mundo" é também uma das muitas estratégias da dupla para sobreviver. Entre confusões com os padres da igreja e o major da cidade, João Grilo e Chicó conquistam, se não a riqueza que gostariam, pelo menos a simpatia de quem assiste suas peripécias. Seja pela esperteza, criatividade, ou pela simplicidade com que encaram a dureza da vida, os dois sabem muito bem até onde vão suas virtudes – e a falta delas.
Pecados mal iniciados, como os planos de João Grilo de casar Chicó com a cobiçada Rosinha, apoderando-se de uma porca de barro cheia de dinheiro, não são levados a cabo porque o cangaceiro Severino entra desavisado nessa equação. Alguns tiros e várias mortes depois, os personagens se encontram no Juízo Final, momento no qual pedem absolvição divina com a intercessão de Nossa Senhora em pessoa (Fernanda Montenegro, em uma bela aparição – com o perdão do trocadilho).
O apelo à Compadecida levanta uma verdade que Suassuna coloca na “moral” da peça: recorre-se à misericórdia porque, se fôssemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada. Mas é uma questão no mínimo delicada, porque o mesmo povo que cai em pecado também sofre, desse modo se redimindo – embora não a ponto de as pessoas se tornarem santas.
Exageros e licenças poéticas à parte, a história é o alegre retrato de uma crença generalizada. Em um país onde a razão não salva ninguém, a saída mais inteligente ainda é recorrer à boa e velha fé para resolver tantos problemas. Ainda que, para todos os efeitos, nem mesmo milagres sejam suficientes hoje em dia. Neste caso, remediados estamos: com o Auto da Compadecida, podemos rir de nossos pequenos infernos, esperando por uma redenção que não chega tão cedo.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

De olhos bem abertos

Existem diversas formas de cegueira. A primeira e mais óbvia associação é a deste país perante seus representantes eleitos. Quando um senador que já foi presidente censura jornais e acusa a imprensa de "inimiga das instituições", é praticamente impossível permanecer às cegas. Ainda assim, a analogia política parece simples, fácil demais.
Ensaio sobre a cegueira, do escritor português José Saramago (Nobel de Literatura), é um livro difícil de digerir. Não apenas pelo estilo e pontuação peculiares, mas porque enxerga as piores doenças humanas dentro do que chamamos de civilização. Sintomas que não são físicos, mas que deixam cicatrizes profundas nos, muitas vezes também míopes, leitores.
A adaptação do romance para o cinema, Blindness (filme que no Brasil manteve o nome original, Ensaio sobre a cegueira) foi dirigida por Fernando Meirelles (de Cidade de Deus e O jardineiro fiel), produzida pela Miramax Films e lançada em 2008. Demorou pra sair do papel, já que Saramago é conhecido por vetar adaptações cinematográficas de suas obras. Uma produção de três países (Canadá, Brasil e Japão), a história foi para as telas em inglês, com Mark Ruffalo, Julianne Moore, Danny Glover, Gael García Bernal e Alice Braga no elenco.
O primeiro homem a ficar cego está no trânsito. Sinal verde, ele não é capaz de seguir adiante. A sociedade inteira, posteriormente, também acaba parando. De início, a cegueira é vista como mais uma epidemia a ser erradicada. A decisão de colocar os infectados em quarentena parte de cima. Enquanto se busca por uma cura, uma resposta para o mistério, as próprias autoridades começam a perder a visão. Apesar disso, a cidade continua vivendo, empurrando a “doença branca” para baixo do tapete.
É assim que o médico e sua mulher vão parar no isolamento. São os primeiros a chegar. Ele, verdadeiramente afetado pela cegueira. Ela, acompanhando o marido e escondendo o fato de ser a única que ainda consegue ver, enquanto mais e mais pessoas são encaminhadas à quarentena. E a mulher do médico continua vendo quando a doença se transforma em desculpa para a selvageria. O hospital se torna uma prisão, o número de doentes aumenta, os cuidados externos diminuem. A comida torna-se escassa, o lixo e a sujeira se multiplicam, a violência e a corrupção criam novas hierarquias, baseadas em interesses pessoais, lideradas por cegos armados.
Pode-se pensar em humilhação, injustiça, desonestidade, vingança, dor, medo, traição. Pode-se pensar em caos. A doença é imune a regras. Mas quem realmente vê tudo isso? Nem mesmo quem sente na pele. Qualquer tentativa de fuga de uma quarentena social vai sempre de encontro à cidade que restou, abandonada, deixada de lado como a própria humanidade dos personagens.
O Ensaio sobre a cegueira filmado não se distancia do texto lido, mas abre os olhos para a miséria humana que na literatura fica apenas a cargo da imaginação. O branco característico da doença permeia as imagens, muitas vezes fora de foco, muitas vezes claras demais, daquilo que o espectador preferiria não ver. Está no prefácio do livro: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. Filme, livro, ensaio, são formas diferentes de retratar uma mesma verdade: o pior cego não é aquele que não quer ver, mas o que também se finge de mudo.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Cinema, cultura e outros fenômenos

Pensando sobre como iniciar uma coluna sobre cinema e cultura em geral, o primeiro dos problemas parece ser: quem vai ler? O interesse pelo tema não acontece por instinto, mas por curiosidade. A palavra “cultura” vem de “cultivar”, e significa modificar a natureza. Mentes cultas não caem do céu – são cultivadas.
O que cai do céu, mas nem sempre nas quantidades desejadas pelo homem, é apenas a água. Aparentemente inofensiva. Só que nos últimos tempos, as chuvas que atingem diversos estados do Brasil tem provocado preocupação, causado enchentes. Pesquisas climáticas indicam que a primavera recém iniciada continuará chuvosa, com índices acima da média. E enquanto algumas regiões sofrem pelo excesso, outras, ou melhor, outra – o sertão nordestino – enfrenta todos os anos o fantasma da seca.
Dentre os muitos filmes que abordam a temática da árida vida sertaneja, um deles merece uma análise mais profunda: Cinema, Aspirinas e Urubus, produzido pela Dezenove Filmes em 2005. Dirigido por Marcelo Gomes, o filme se passa em 1942 e conta a história de Johann (personagem vivido por Peter Ketnath), um alemão que viaja pelo interior do nordeste do Brasil vendendo aspirinas, consideradas na época “o fim de todos os males”. Para promover o remédio, ele usa pequenos filmes de publicidade.
Em sua jornada, Johann acaba conhecendo o andarilho Ranulpho (João Miguel, prêmio de melhor ator nos Festivais Internacionais de São Paulo, Rio de Janeiro, Cuiabá e Guadalajara, no México). Ranulpho é um paraibano que sonha em “tentar a vida” longe da seca, no Rio de Janeiro. Viajando com Johann pelas estradas do sertão, os dois desenvolvem uma amizade que chega a uma encruzilhada quando o Brasil declara guerra contra a Alemanha e Johann precisa decidir se volta a seu país de origem para se alistar ou permanece no Brasil, mas em um campo de concentração.
Cinema, aspirinas e urubus se encaixa no gênero dos filmes conhecidos como road movies (filmes de estrada). Mas é essencialmente uma história de amizade, em uma terra castigada pelo sol que maltrata os olhos e faz doer o coração. O país da propaganda de aspirina é o “Brasil maravilhoso”. O país que Ranulpho conhece como seu é pobre, feio, infame. “Aqui nem guerra chega”, observa. E quando Johann, cansado de dirigir, desabafa que “esse Brasil parece que não acaba nunca”, a resposta de Ranulpho é simples: “lugar que não presta é assim, demora pra acabar”.
A verdade é que, como Ranulpho, estamos todos sempre cansados de alguma coisa. Da seca, quando não chove. Das chuvas, quando chove. Da falta de dinheiro, da política, da violência, até mesmo da falta do que fazer. Aos poucos, o cansaço vai se transformando em preguiça. Uma preguiça perigosa, que é a preguiça de cultivar idéias, de querer coisas novas. E quando menos se espera, a preguiça vira cegueira. Mas esse já é assunto para uma outra crônica (ou livro, ou filme, ou ensaio).

Entrevista com Breno Silveira

por Katia Kreutz*

“A luta dele era a luta de todo brasileiro”. A frase do cineasta Breno Silveira explica um dos motivos que o aproximaram de Francisco José de Camargo – pai da dupla sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano – e o levaram a dirigir o filme 2 filhos de Francisco, que se tornou um dos maiores sucessos de bilheteria do cinema brasileiro.
Lançado em 2005 e produzido pela Conspiração Filmes, 2 filhos de Francisco conta a história de um sonho. Francisco é um lavrador de vida humilde, do interior de Goiás. Vendo na música a esperança de um futuro melhor, ele presenteia o mais velho de seus nove filhos, Mirosmar, com um acordeão. Ao lado do irmão Emival, Mirosmar começa a se apresentar em festas na região. Quando a família perde sua propriedade e se muda para Goiânia, os dois irmãos passam a tocar na rodoviária, onde conhecem Miranda, que se torna seu empresário. Com Miranda, Mirosmar e Emival viajam pelo interior do país, cantando, até que uma tragédia interrompe a carreira da dupla. Muitos anos depois, Mirosmar decide voltar a cantar e adota o nome artístico de Zezé Di Camargo. Sem conseguir sustentar sua família por meio da música, ele acaba encontrando no irmão Welson – que ficaria conhecido como Luciano – a possibilidade de alcançar o sucesso sonhado por seu pai.
Transformar em filme a vida de Francisco e de seus filhos não foi fácil, e as dificuldades refletem a luta dos próprios personagens. “Na verdade a idéia não foi minha. Foi do Zezé, que ligou pra Conspiração dizendo que a história dele dava um filme. Num primeiro momento ninguém quis pegar”, conta Breno Silveira, que na época tinha planos de trabalhar em outro roteiro, de sua autoria. Mas apesar de ter se considerado a pessoa errada para o papel, por ser do Rio de Janeiro e não pertencer ao universo da música sertaneja, Breno ficou impressionado com a força da história. E essa impressão foi ainda mais profunda quando ele se encontrou pessoalmente com “Seu Francisco”, em Goiás. Foi depois desse encontro que decidiu fazer o filme.
Para Breno, a identificação com o pai da dupla aconteceu porque Francisco acreditou no sonho de que as coisas poderiam melhorar. “Ele é brasileiro”, diz o cineasta, “é uma pessoa que não desiste nunca”. Apesar dos episódios extremamente traumáticos pelos quais a família passou, e mesmo a demora para conseguir realizar o sonho que começou já na infância dos meninos, “deu certo trinta anos depois, e isso é realmente muito emocionante”.
Embora 2 filhos de Francisco tenha sido um filme bem sucedido, a resposta positiva do público foi um pouco tardia e muito distante das expectativas do diretor. “Se eu fiquei surpreso? Muito. 2 filhos não abriu bem. Acho que foi a pior bilheteria dos grandes sucessos da retomada”. Breno lembra que vários cinemas do Rio de Janeiro estavam vazios no fim de semana da estréia, e ele chegou a pensar que o filme tinha “flopado”. Aos poucos, pelo boca a boca, o longa metragem começou a lotar as salas de exibição. “Foi uma coisa surpreendente, eu não esperava que tivesse tanta comunicação com as massas”.
Um dos aspectos que facilitou a aproximação do público com a história e ganhou elogios da crítica foi o trabalho dos atores, entre eles Ângelo Antonio (Francisco), Dira Paes (Helena), Márcio Kieling (Mirosmar/Zezé Di Camargo), Thiago Mendonça (Welson/Luciano), Paloma Duarte (Zilu) e Dablio Moreira (Mirosmar jovem). “A minha paixão hoje eu posso dizer que é dirigir atores”, afirma o diretor. “Eu gostava de ficar ali na câmera observando aquelas pessoas transformarem o que estava no papel numa cena. Minha relação com o ator era mais de curiosidade, de encantamento”. Trabalhando com direção, Breno descobriu uma ligação com o trabalho dos atores, uma vocação para as artes dramáticas que complementou sua já existente visão técnica.
A carreira de Breno Silveira se iniciou na fotografia. Ele estudava Biologia quando ganhou uma máquina fotográfica de seu pai. O gosto por fotografar seguiu como carreira paralela até que Breno ganhou um prêmio, uma bolsa para estudar cinema em Paris. Quando voltou ao Brasil, foi chamado pela diretora Carla Camurati para trabalhar no filme Carlota Joaquina – Princesa do Brasil. A partir desse trabalho, atuou como diretor de fotografia em outros longas, como Eu Tu Eles, Gêmeas, Bufo & Spallanzani e O Homem do Ano. “Já tive uma passagem por todas as áreas. Já fui assistente de direção, assistente de câmera, diretor de fotografia, diversas funções no set. Então eu tenho essa tendência de participar um pouco em tudo”. De acordo com Breno, dirigir um filme é montar uma equipe, juntar pessoas boas e conseguir tirar o melhor delas.
O segundo longa-metragem dirigido pelo cineasta, Era uma vez..., também foi produzido pela Conspiração Filmes, empresa da qual ele é sócio. Trata-se do conturbado romance entre um vendedor de cachorro-quente que mora na favela e uma menina rica de Ipanema. O roteiro foi escrito há bastante tempo, antes do que Breno chama de “a nova geração de filmes de favela”. Como o assunto já tinha se tornado batido quando o filme foi produzido, o diretor optou por abordá-lo de outra forma, sob a ótica de uma história de amor.
Atualmente, Breno está trabalhando em vários projetos, entre eles a pré-produção de seu próximo longa-metragem. Além disso, ele trabalha e vive como diretor de publicidade.


* Katia Kreutz é paranaense, formada em direção cinematográfica pela Academia Internacional de Cinema. Atualmente, estuda jornalismo em São Paulo.